Ângelo Rodrigues: “Pretendo realizar os meus filmes”
O actor, de 22 anos, nasceu no Porto mas viveu até aos 18 anos em Vila Nova de Gaia. Faz de Germano em “Deixa que Te Leve” (TVI) e divide-se entre o cinema, o teatro, a televisão e a música. Ambiciona gravar um CD no qual escreve as letras e canta. Enquanto isso é DJ, com uma agenda preenchida com vários eventos.
– Quando é que decidiu deixar Vila Nova de Gaia e vir para Lisboa?
– Tinha que vir para a capital, porque é óbvio que em Portugal as coisas estão mais centralizadas em Lisboa. Há mais oportunidades do que no Porto, por exemplo. Mesmo se para quem já tem uma carreira é muito difícil estar noutra cidade, imaginem para quem não tem carreira nenhuma e quer começar a trabalhar… O meu objectivo era só acabar entretanto o décimo segundo ano e vir para Lisboa trabalhar e estudar.
– Veio para a capital com que idade?
– Tinha 18 anos e a minha prioridade era estudar e sustentar-me. Inscrevi-me num curso de Artes do Espectáculo na Faculdade de Letras e tinha um objectivo muito imediato, que era arranjar um trabalho em duas semanas. O meu primeiro emprego foi no Lux, onde fui barman durante seis meses. A partir daí começaram a surgir oportunidades e foi muito complicado conciliar os horários com os estudos. Trabalhava à noite, estudava de dia, e a seguir fui convidado para fazer televisão. Fiz então umas quantas directas, o que não é nada aconselhável sobretudo para a nossa performance e o nosso bem-estar psicológico.
– Qual foi o seu último trabalho?
– Foi no filme “Está Onde Menos se Espera”, realizado por Joaquim Leitão, no qual tenho uma pequena participação. Esta, pode mesmo dizer-se, foi a minha estreia no cinema. Tinha entretanto acabado os “Morangos com Açúcar” e disse à minha agente que adorava fazer cinema – e o convite caiu mesmo de pára-quedas. Fiz uma pequena aparição, como dono de uma loja de música. É pequena mas já dá para ter um saborzinho especial.
– Como e quando é que se estreou em televisão?
– Participei na novela “Doce Fugitiva”, na TVI, em 2006. Fazia de Frederico, ele tinha um temperamento especial e era um bocado racista. A personagem era para ser maior mas surgiu-me outro projecto, mais duradouro, e optei por ele. Era o “P.I.C.A”, na RTP 2, um magazine cultural que misturava a ficção e a realidade. Adorei fazer, e acho que o programa quebrou algumas barreiras, foi pena ter acabado. Quando terminou fiz um casting para os “Morangos com Açúcar” e um workshop de interpretação, voz e câmara, que durou cerca de dois meses. Fui seleccionado para entrar na quinta temporada, na pele de Luís Ferreira, um jogador de andebol.
– Foi nesse workshop que conheceu a sua namorada, Vanessa Martins?
– Sim, nós trabalhámos juntos no núcleo dos cinco protagonistas e começámos a namorar. Namoramos há dois anos.
– E em teatro, o que é que já fez?
– Estudei em Santa Maria da Feira e tive oportunidade de integrar uma companhia de teatro semiprofissional e fazer “A Lamentação da Mula”, em 2003, e no ano seguinte “Designação”, peças que foram encenadas por Jorge Castro Guedes. Essa foi a minha porta de entrada. A minha escola tinha um auditório, que estava em boas condições, mas o espaço não era muito aproveitado; fui falar com a dona da escola e propus-lhe começar a escrever as peças, encená-las e interpretá-las. Foi assim que nasceu o bichinho da representação.
– Essa oportunidade de fazer televisão foi primeiro na novela “Doce Fugitiva”, depois no “P.I.C.A.” e a seguir nos “Morangos”…
– Sim. Podem dizer muito mal dos “Morangos” mas o que é certo é que o grande intuito é formar novos talentos, e nisso a TVI ganhou a aposta. É uma grande escola de actores. Os “Morangos” acabaram por quebrar muitos tabus, foram abordados temas como drogas, álcool, sexo e muitas outras coisas que acontecem nas escolas, só que até então não se falava delas. Já chega de a nossa sociedade ser tão retrógrada.
– Fez também um telefilme…
– Sim, foi “Pelas Próprias Mãos”, onde era o Zé João. É curioso que assim que acabei os “Morangos” estava no ar “Casos da Vida”, da TVI, e houve a oportunidade de fazer um. O realizador era um dos argumentistas do “P.I.C.A.”, o Artur Ribeiro. Sempre ficou subjacente o gosto de voltar a trabalhar com ele. A personagem foi escrita de propósito para mim e tive oportunidade de fazer uma coisa completamente diferente. Era um rapaz da aldeia cujo único objectivo era beber. O meu personagem e o do Manuel Melo violaram uma rapariga. Depois sofreram as consequências desse acto. O “Caso da Vida” permitiu-me também trabalhar com Nicolau Breyner, que só por si é uma instituição.
– E a seguir?
– Fiz o filme “Corações Partidos”, onde era o Rafael. Foi um projecto levado a cabo por seis realizadores que frequentaram o mesmo ano no Conservatório. Pediram um subsídio através da produtora Rosa Filmes. O objectivo era contar a história de cinco elementos de uma banda em que cada um realizava um segmento. São cerca de 20 minutos para cada segmento, que corresponde a cada um dos personagens e tudo o que gira à sua volta. Tive a oportunidade de fazer o Rafael. Apesar de ter pouco diálogo, adorei essa vertente, porque nos estimula. Não podemos tirar partido das palavras. Temos de conseguir dizer tudo com o olhar e os nossos gestos. Filmei durante 15 dias, de madrugada, e acordava às sete da manhã para ir gravar a novela “Deixa Que Te Leve”. Saía às 20h00 dos estúdios para estar à meia-noite nas filmagens. Foram mais umas quantas directas – mas estou aqui para fazer sacrifícios pela profissão. Quem corre por gosto não cansa.
– Para quem queria experimentar fazer um filme, acabou por fazer vários.
– É verdade, trabalhei com excelentes actores e realizadores. Aos bocadinhos, vamos tirando o que de bom tem esta profissão, que é conhecer essas pessoas, e o facto de poder trabalhar com elas vale por mil workshops e cursos. Estamos a ter uma aula ao vivo.
– A sua família vê os trabalhos que faz em televisão, por exemplo?
– Eles [pais e três irmãos] vêem, claro. Mas eu não gosto das críticas familiares, porque são sempre positivas, qualquer coisa que façamos eles gostam e dizem que vamos muito bem no nosso papel. Quando quero que o meu ego fique em cima telefono-lhes. Mas para ter uma opinião construtiva recorro a colegas. Eles dizem sempre o que pensam. No entanto, às vezes, não estou preparado para ouvir algumas coisas…
– De 2004 até 2008 fez vários workshops…
– A formação é a base de qualquer actor. Pode haver talento, que é essencial, mas a formação é a base de tudo. Há pessoas com muito talento mas que se desleixam na formação, e depois vão-se perdendo pelo caminho; e há pessoas com menos talento que por apostarem na formação acabam por tornar-se igualmente boas.
– Quais são os seus actores de referência?
– Para mim, o melhor actor português deste momento é o Ivo Canelas. Ele é fantástico e está a tornar-se, aos trinta e tal anos, o melhor da sua geração, sem dúvida. Estou maravilhado com a actuação dele desde as longas-metragens à “Liberdade 21” (RTP 1). A nível internacional, gosto do Robert De Niro, que é um autêntico camaleão. Ele domina tudo, desde a comédia ao drama, consegue ser muito versátil e completo em todos os sentidos. Também gosto de Al Pacino e do Jack Nicholson.
– Com quem gostaria de contracenar?
– Adorava poder trabalhar com o Ruy de Carvalho e com a Eunice Muñoz, pelo que eles representam e o que fizeram pela nossa arte. Sinto uma grande curiosidade em relação à Alexandra Lencastre, gostava de saber como é contracenar com ela. A par do Ivo Canelas, gostaria também de estar ao lado de Beatriz Batarda, Filipe Duarte, Gonçalo Waddington, Nuno Lopes, João Lagarto e Marco d’Almeida.
– Tem algum guionista com quem gostaria de trabalhar?
– Gostave de trabalhar com o Rui Vilhena. Desde os ‘Bastidores’, na RTP 1, que sou fã dele. Gosto do estilo, do ritmo, da dinânica e dos conflitos interiores que dá às personagens.
– Pensa, entretanto, investir numa carreira internacional?
– Quero tornar-me cada vez melhor e mais completo e ter a oportunidade que, por exemplo, o Diogo Morgado teve de contracenar com o Al Pacino. Quero manter os pés assentes na terra. Há um milhão de pessoas a quererem ir para Hollywood e singrar lá. Obviamente que eu tenho esse sonho.
– Fez um workshop de câmara. Quer passar para trás das câmaras?
– Vou agora começar a estudar realização na Escola Técnica de Imagem e Comunicação. Vou querer realizar os meus filmes no futuro, e até lá espero que a nossa indústria se desenvolva e comecemos a ter mercado cá em Portugal. Já fiz formação em guionismo e estou a escrever uma curta-metragem. Quero tornar-me o mais completo possível. Gostava de chegar ao nível do Woody Allen, mas a primeira fase é realizar e talvez escrever o guião, se conseguir fazer isto já me sinto feliz. Talvez mais tarde represente também.
– Fez também rádio?
– Começou por ser uma brincadeira mas acabou por ser muito produtivo. Ajuda-nos a colocar a voz e a libertá-la, a ter sempre o discurso preparado. Tive um programa meu, uma vez por semana, chamado “Oxigénio”, na Rádio Águia Azul [Santa Maria da Feira], e isso ajudou-me bastante.
– Também está ligado à música…
– Tenho um projecto, desde os 16 anos, que é o lançamento de um álbum. Sou eu que escrevo as letras, canto e trabalho com outros produtores, só não componho a música. A música é a minha grande paixão, a par da representação, e surgiu a oportunidade de começar a passar som como DJ. E tenho tido sorte.
– Agora é o Germano de “Deixa Que Te Leve”.
– É a minha primeira novela pós-“Morangos”. Há sempre aquela barreira dos que só se ficam pelos “Morangos” e desaparecem e os que continuam a trabalhar. Foi-me dada essa oportunidade e estou a adorar o personagem.
REFLEXO
– O que vê quando se olha ao espelho?
– Insegurança. Uma mistura de vulnerabilidade com necessidade de auto-realização. Até porque, para que os outros acreditem em mim, é preciso que eu acredite em mim próprio. É difícil mas tento camuflar isto tudo da melhor maneira.
– Gosta do que vê?
– Cada vez mais. Tenho andado a tolerar mais a percepção que tenho de mim próprio.
– Alguma vez lhe apeteceu partir o espelho?
– Acho que acontece com toda a gente. Por vezes vejo-o um pouco embaciado, por causa de uma suposta ideia de auto-imagem. Digamos que já apanhei muitos cacos do chão – mas consigo sempre reconstruí-lo.
– Quem gostaria de ver reflectido no espelho?
– Só quem tem uma grande falta de auto-estima gostaria de ver outra pessoa reflectida no espelho. Eu, claro.
– Pessoa de referência?
– A minha tia, Estrela Novais. Um exemplo de força, sobrevivência e vitória.
– Momento marcante?
– A minha mudança para Lisboa. Agarrei nas malas e vim assim, sem mais nem menos. Mas a vida é feita de decisões: algumas boas, outras nem por isso. Desta não me arrependo.
– Qualidades e defeitos?
– Defeitos? Tudo o que possam dizer de mim. Qualidades? Quem me conhece sabe.